Verdades e Mentiras, de Orson Welles

O cinema é a arte de transformar, é a materialização do falso. De fazer ver outra coisa, de enganar os olhos. Na carreira de Orson Welles, essa suposta falsidade pode ser encontrada em diferentes momentos, como no uso da profundidade de campo em Cidadão Kane, que engana com o real tamanho dos cenários.

A arte do cinema, para Welles, deve algo à mágica. Isso não a diminui. Em Verdades e Mentiras, Welles parece mentir do início ao fim de seu filme.

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O resultado não é um documentário comum. Na tela, o diretor leva a diferentes histórias sobre personagens envolvidas com a arte de falsificar – incluindo ela própria. Questiona a validade da peça falsa e se, ao olhar alheio, não teria o mesmo poder da original.

O que torna a original mais autêntica quando a cópia aproxima-se da perfeição? Há quem tenha pagado caro por uma cópia sem se importar. Em alguns casos, mais feliz é o comprador que acreditou no falso, em sua possível “originalidade”.

Welles não mente: a arte do cinema parte da falsidade, ainda que esta sempre seja entregue de bandeja – e ainda que o público, no escuro das salas, prefira se deixar levar pela narrativa. Chora com o drama, ri com a comédia.

A verdade de Welles, aqui, está na aproximação à mentira: ao fazer um filme sobre falsificadores – nem documentário por completo ou ficção –, veste-se de mágico, com longa capa preta, e aparece ora ou outra para lembrar o público dos truques.

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Ele parte da história de um falsificador chamado Elmyr de Hory. Trata-se de um tipo único, de bem com a vida, efeminado, e que consegue criar novas telas de um Picasso ou de um Monet. Falsifica para viver, e vive bem, feliz em suas festas.

A personagem tem companhia: seu biógrafo, um tal Clifford Irving, teria escrito uma falsa biografia do magnata Howard Hughes, e foi ao encontro de Elmyr para escrever sua história. É quando um falsificador encontra outro.

Para Welles, trata-se de uma história cheia de possibilidades, inverossímil demais para ser relatada da forma convencional. O diretor escapa, falsifica, tudo a partir da arte cinematográfica, com o charme dos bons falsificadores: torna-se o terceiro elemento importante, o diretor de cinema consciente de suas ferramentas.

Segundo ele, Irving teria escrito uma falsa história sobre Elmyr, o que só faz a situação ganhar contornos mais cômicos. Difícil crer no biógrafo ou no biografado. As histórias sobre quadros vendidos por valores exorbitantes preenchem os encontros de Welles com esses homens, todos felizes, desprendidos de seus crimes.

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As voltas de Welles levam-no a Hugues e a si próprio. Vai a Las Vegas e questiona se o milionário americano, antes envolvido com o cinema e com a aviação, teria dado entrevista, por telefone, a um grupo de jornalistas.

O que Welles questiona, no fundo, é se a lenda não se serve constantemente das falsificações, e se não precisa delas para sobreviver. O próprio diretor de Cidadão Kane teria possibilitado, com sua “falsificação”, a sobrevivência de William Randolph Hearst.

A arte do cinema, diz Welles, não sobrevive sem esse jogo, ou essa mágica: é a arte de enganar o olho humano. Histórias de figuras excêntricas como Elmyr são desculpas para questionar o valor da autenticidade de uma obra de arte.

Nota: ★★★★☆

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